Sobre Miscigenação, Falta de Tradição e Orquídeas
A nacionalização da arquitetura moderna Brasileira nas revistas de arquitetura de língua alemã
Resumo
O período da grande repercussão da produção de arquitetura moderna brasileira não deixou de
incluir as revistas de língua alemã. Entre pequenas notícias, grandes reportagens e um número da
revista suíça Werk exclusivamente dedicado ao trabalho dos arquitetos brasileiros, o público da
Alemanha, Áustria e Suíça teve à disposição nos anos entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a
construção de Brasília uma série de informações sobre uma produção cultural que desafiou todo o
tempo principalmente a idéia que os autores destes artigos tentavam esboçar de uma arquitetura
contemporânea – e as suas filiações com a noção ortodoxa de arquitetura moderna – mas também
os próprios esboços por eles traçados do desenrolar da história da arquitetura do século XX. Ao
reconhecerem esta produção como um "outro" cultural, estes autores perpassam os seus textos
com a mesma questão básica que fará Benevolo ou Giedion identificar no trabalho dos arquitetos
brasileiros uma nova tendência dentro do Movimento Moderno. Algumas conclusões porém
foram bastante distintas desta.
Se em um primeiro momento – do imediato pós-guerra, caracterizado basicamente por uma
necessidade de atualização do conhecimento sobre a produção de arquitetura mundial – a
produção de arquitetura no Brasil aparece em reportagens gerais e primeiras reportagens
específicas sobre projetos e edifícios construídos no Brasil como uma entre várias frentes de
renovação da arquitetura àquela época, tratadas mais ou menos em igualdade com as demais,
num segundo momento passa a existir uma especificação, que define limites ligados à
regionalização, da produção brasileira que coincide com a ampliação dos conhecimentos sobre
ela, devido à exposição "Brasilien baut", que irá percorrer algumas cidades de língua alemã entre
1953 e 1954 (e não por acaso coincidirá com o ano da divulgação da famosa crítica de Max Bill).
Na revista austríaca Allgemeine Bauzeitung será até reconhecido, "apesar das formas estranhas,
uma unidade de estilo". Em um terceiro momento, no caso específico das revistas em estudo
muito marcado pelas reportagens sobre o edifício de Niemeyer em Berlim, mas sem deixar de
acompanhar por exemplo o concurso e início de construção de Brasília ou a obra de Reidy, o
tratamento dado a esta produção já tem como base a caracterização nacional-regional-cultural
como elemento direcionador da percepção destas obras de arquitetura.
Os três grupos de temas sugeridos no título definem justamente categorias das referências que
muitas vezes foram usadas para a nacionalização desta produção: a primeira referindo-se às
especificidades culturais gerais, das quais o tema das diferentes raças como componentes do
povo brasileiro em todas as suas nuances aparece com determinada pregnância; a segunda
referindo-se às questões específicas da produção de arte e arquitetura brasileiras no século XX,
incluindo aqui a transformação das cidades brasileiras – especificamente o Rio de Janeiro e São
Paulo – principalmente através dos arranha-céus, e o uso do concreto armado; e a terceira
referindo-se às questões climáticas e de paisagem que justificariam por exemplo o emprego tão
difundido dos pilotis. De maneira interessante na direção contrária ocorre a alemanização do
arquiteto Oscar Niemeyer, graças ao seu sobrenome: muitas vezes o seu nome aparece escrito
com a grafia alemã (Oskar) e algumas especulações são feitas sobre os seus antepassados.
De todo jeito, ainda que com intensidades diferentes de apropriação e nacionalização, é
identificada em todo o tempo estudado por parte dos ensaístas e repórteres uma série de
elementos nesta arquitetura brasileira que passam a oferecer contrapontos à definição ortodoxa da
arquitetura moderna. A leitura destes textos sugere que ali onde mais as soluções "tropicais" se
afastam desta definição ortodoxa, mais elas recebem a rotulação de nacional. Visto por outro
ângulo, quanto mais informação sobre a arquitetura brasileira chegou ao público de língua alemã,
mais determinadamente foi dado um caráter local ou regional na apresentação dessa produção.
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Referências
CAMPOS, Márcio Correia. Objekt Nr. 14 Das Bild des Niemeyer-Hauses in Berlin und der brasilianischen
Architektur in den deutschsprachigen Architekturzeitschriften der vierziger und fünfziger Jahre. Viena, Áustria,
1999. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura e Planejamento Urbano, Universidade
Técnica de Viena.
WIGLEY, Mark. Il luogo On Site. Lotus, Milão, v. 95, p. 118-131, dez.1997/fev.1998.